A sensação, incômoda e cotidiana, de que o amanhã não chega nunca. Estamos falando daquele amanhã de um mundo livre da pandemia, em que o medo do presente e o temor pelo futuro desapareçam de nossas vidas. Entre a vacina, que nos dará tranquilidade, e o agora, o vírus anda devastando a saúde mental da população. No Brasil os casos de ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos crescem vertiginosamente. O tempo presente é uma espécie de "José para onde?" no coletivo, minando reservas de resistência emocional e psicológica, em maior ou menor grau, de adultos, jovens, adolescentes e até crianças.
Não à toa, editores e livreiros viram a procura por títulos de psicanálise, dos clássicos a novas publicações, aumentarem nos últimos meses. Ou seja, diante do cenário incômodo e assustador da Covid19, estamos buscando reflexões que nos ajudem a entender nosso mal-estar e o mal-estar da civilização atual, tentando acender luzes internas, lidar com nossas questões emocionais. Para muitos, psiquiatras, psicanalistas e estudiosos, o tempo da autoajuda está esgotado e muita gente está se voltando para a descoberta de si.
Os riscos de uma população emocionalmente instável por meses e até anos a fio vão continuar na pós-pandemia, de acordo com especialistas. Há dois anos, a Organização Mundial da Saúde já alertava, por exemplo, que a depressão, que então já atingia 322 milhões de pessoas, se tornaria até 2030 a doença mais incapacitante do mundo, e que as mulheres seriam mais afetadas do que os homens. Não existe saúde sem saúde mental e a Covid19 certamente deve acelerar os casos de transtornos psíquicos - pelo menos 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão e outros 19 milhões apresentam quadros crônicos de ansiedade.
Somos a população mais ansiosa do mundo, segundo a OMS, e isso afeta todo a sociedade. Afeta a vida, as relações pessoais, o núcleo familiar, os estudos, o trabalho, a carreira. A tal ponto, que mesmo antes da pandemia, a depressão e o estresse ocupacional estavam entre as cinco principais causas de afastamento dos colaboradores no Brasil, incluindo gestores e executivos. Com a Covid19, a situação parece que se agravou. Profissionais queixosos e esgotados com a rotina de reuniões on-line, frente às exigências de dedicação quase integral de chefias; profissionais liberais e empreendedores tentando criar estratégias para sobreviver em uma economia ainda fragilizada; crianças e adolescentes longe da escola e mulheres, que são mães, ainda mais sobrecarregadas. Somos todos personagens reais de um mundo que mudou da noite para o dia, nos obrigando a ficar mais em casa, adiar projetos, rever metas, lidar com nossas preocupações e angústias. E não estamos tratando aqui do enorme sofrimento das vítimas da doença e de quem está enfrentando perdas e lutos.O profissional da consultoria de imagem se movimenta nas duas pontas desse novelo pandêmico - estamos lidando com nossos próprios entraves subjetivos, enquanto precisamos, ao mesmo tempo, entender como operacionalizar nosso trabalho. Que tipo de clientes vão emergir neste novo cenário? Quais ferramentas, habilidades e conhecimentos temos ou precisamos desenvolver para adentrar e trabalhar no mundo pós-pandemia?
São questões delicadas e complexas, que certamente vão exigir abordagens além da expertise das técnicas de consultoria. Habilidades humanas serão cada vez mais importantes para lidar com as singularidades de nossos clientes pessoais ou corporativos. Precisamos pensar no quão relevante pode ser nosso trabalho na vida das pessoas que atendemos, já que lidamos com imagem, identidade visual e comportamento. Alguns estudos e pesquisas já indicam um consumidor possivelmente mais fragilizado emocionalmente pela pandemia, mas igualmente mais exigente em suas compras e nos serviços que contrata.
Por outro lado, as insatisfações com o corpo começam a ser estudadas no cenário da pandemia, o que impacta de alguma forma também o trabalho do consultor de imagem. Cientistas das universidades de Cambridge e de Bath (Reino Unido) em colaboração com a Norwegian Business School (Noruega), realizaram uma pesquisa, que será publicada em 2021, sobre os efeitos da pandemia sobre a autoimagem, revelando que podem aumentar os distúrbios de imagem corporal durante o isolamento social. O estudo, que envolveu 506 pessoas do Reino Unido, entre 18 e 73 anos, mostrou que o desejo de perder peso, entre as mulheres, e de ganhar músculos, entre os homens, sugerem que os problemas de imagem corporal no cenário da pandemia, ou ampliados em função do vírus e do isolamento, podem levar a novos casos e problemas de saúde mental e ao desenvolvimento de distúrbios como anorexia e bulimia.
No estudo, que já possui uma versão pré-print, os pesquisadores anotaram que as mulheres pareceram mais pressionadas pelos padrões estéticos do corpo feminino e suscetíveis às mensagens de autoaperfeiçoamento. Entre elas, a maior ansiedade relacionada ao Covid-19 foi significativamente associada à insatisfação corporal, enquanto tanto a ansiedade quanto o estresse pela pandemia foram associados a maior desejo por magreza. Em suma, uma autoimagem corporal negativa, que pode afetar a saúde mental, já desponta como uma das questões com as quais nós, consultores de imagem, vamos nos defrontar em breve.
Nos preparar para os clientes e as mudanças na vida pós-pandemia, em que a saúde mental está ameaçada, é um grande desafio. Para isso, não basta vislumbrar o final, nos apoiando na volta à normalidade que a vacinação promete. Precisamos entender as mudanças que o vírus vai deixar na sociedade e até mesmo avaliar nossas possibilidades de redescoberta e reinvenção, pessoa e profissional. Eu, você e o mundo, certamente, não seremos os mesmos.
"E agora, José?/ Sua doce palavra,/ seu instante de febre,/
sua gula e jejum,/ sua biblioteca,/ sua lavra de ouro,/
seu terno de vidro,/ sua incoerência,/ seu ódio — e agora?" (Carlos Drummond de Andrade)
Esse artigo foi escrito a quatro mãos com minha colega Miriam Lima, consultora de imagem e psicanalista. Reflexões que são fruto de nossas conversas sobre saúde mental, pandemia, o mundo pós-pandemia e o quanto isso afeta, entre outras coisas, nossa imagem pessoal
CRIS DORINI
Sou Cris Dorini, Consultora de Imagem Pessoal / Profissional e Comportamento. Presidente da FIPI - Federação Internacional dos Profissionais de Imagem. Sócia e fundadora da CD Negócios Empresariais e TRIO Inteligência em Imagem.Docente da Belas Artes, Faculdade Insted e TRIO Inteligência em Imagem.Palestrante e Mentora.
(*) Este é o terceiro artigo, escrito a quatro mãos com minha colega Miriam Lima, consultora de imagem e psicanalista. Reflexões que são fruto de nossas conversas sobre saúde mental, pandemia, o mundo pós-pandemia e o quanto isso afeta, entre outras coisas, nossa imagem pessoal. As referências ao poema drummondiano vêm deste tempo presente, uma espécie de "José para onde?" no coletivo
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